Junho Azul: por que ainda falamos pouco sobre a saúde mental dos homens
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Por Luisa de Melo Silva, psicóloga
“A discrepância entre os baixos índices de diagnóstico e os altos índices de suicídio entre homens revela uma crise invisível na saúde mental masculina.”
(Affleck et al., 2018, apud Silva & Melo, 2021)
Junho chegou e, com ele, a campanha do Junho Azul. Tradicionalmente voltada para o cuidado com a saúde dos homens, a iniciativa tem ganhado novos contornos ao incluir em sua pauta um tema ainda pouco explorado: a saúde mental masculina.
Falar disso é urgente e necessário. No Brasil, os homens continuam sendo maioria esmagadora nos registros de suicídio. Em 2023, representaram cerca de 80% das mortes por essa causa. E esse cenário se repete em nível global: segundo dados recentes da Organização Mundial da Saúde, em 2021 mais de 727 mil pessoas morreram por suicídio no mundo, sendo os homens mais que o dobro das vítimas em relação às mulheres (12,3 contra 5,6 mortes por 100 mil habitantes).
Mais do que estatísticas, esses dados revelam silêncios. Entre trabalhadores brasileiros, por exemplo, o número de suicídios cresceu mais de 68% na última década, afetando especialmente os jovens adultos. E quando olhamos para a forma como os homens expressam (ou não) o sofrimento emocional, é possível entender melhor o que está por trás desses números.
Para muitos, demonstrar fragilidade ainda é inaceitável. Chorar, pedir ajuda, admitir um problema psicológico, tudo isso segue envolto em vergonha ou resistência. O sofrimento, então, aparece disfarçado: no uso abusivo de álcool, na raiva, no isolamento. Muitas vezes, nem eles mesmos percebem o quanto estão adoecendo. Quando percebem, a ajuda já pode parecer distante demais.
Essa realidade tem sido chamada por pesquisadores de “crise silenciosa”, e não é exagero. “Reconhecer ou admitir o problema foi visto como o primeiro passo mais difícil”, apontam Keohane e Richardson (2018), ao analisarem homens com risco de suicídio. A frase “não posso me dar ao luxo de fraquejar” ainda ecoa em muitas cabeças.
“Homens também têm o direito ao cuidado, ainda que o machismo os faça acreditar que não precisam dele.”
(Silva & Melo, 2021)
O caminho para a mudança passa pelo fortalecimento de políticas públicas, mas também pela transformação da escuta clínica. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, criada em 2008, foi um passo importante, mas ainda é criticada por priorizar aspectos físicos e reprodutivos, como a saúde urológica. É hora de ampliar esse olhar e reconhecer que saúde mental também importa e precisa ser integrada às estratégias de atenção básica.
Profissionais da saúde têm um papel crucial nesse processo. Abordagens mais sensíveis ao gênero, acolhimento sem julgamentos e ambientes que considerem as especificidades masculinas favorecem o engajamento no cuidado. Intervenções como a promoção de vínculos sociais, atividades físicas e programas voltados ao bem-estar emocional dos homens vêm mostrando bons resultados em diferentes contextos.
Junho Azul é, portanto, um convite à mudança. Não se trata de vitimizar os homens, mas de lembrar que todos têm direito ao cuidado. Homens também sofrem. E quando encontram acolhimento de um profissional, de um amigo, de uma política pública, as chances de superação aumentam.
Que essa campanha nos ajude a enxergar além das estatísticas. Que sirva para abrir conversas, ampliar escutas e derrubar, pouco a pouco, a ideia de que sentir é coisa de gênero.
E se você é homem e está passando por um momento difícil, saiba: pedir ajuda não é sinal de fraqueza. Pelo contrário, é um ato de coragem. Cuidar da saúde mental também é parte do ser homem. Você não está sozinho. Falar é um começo. Procure um profissional. Existe acolhimento e escuta, sim, para você.
Fonte:
World Health Organization. (2025). Suicide mortality rate (per 100 000 population). WHO Global Health Observatory. Disponível em: https://data.who.int/indicator/SDG_03-04-01. Acesso em: 11 jun. 2025.